12 abril 2006

Entrevista com José Guilherme Chieira




Olá!

Tenho uma enorme honra em inaugurar um novo espaço neste blog, que julgo contribuir de forma inequívoca para a, cada vez mais, comprovada credibilidade do mesmo.
Trata-se de um espaço onde iremos entrevistar personalidades do nosso Futebol, tentando compreender um pouco melhor todo o fenómeno deste desporto em Portugal.
Julgo sinceramente tratar-se de um passo decisivo para a afirmação nacional deste blog.


A primeira entrevista ficou reservada para alguém muito conhecido por uns, um pouco menos conhecido por outros, mas acima de tudo com um trajecto assinalável no Futebol Português.
Falo-vos de José Guilherme Chieira, conhecido por ser o responsável por todo o campeonato Português do famoso jogo Football Manager, mas conhecido no mundo do futebol também por ter desempenhado importantes cargos em clubes de referência nacional, que mais tarde citaremos.
José, tem 32 anos e quando questionado sobre o local onde reside, respondeu “curiosamente” da seguinte forma: “Entre Lisboa, Coimbra… e onde for necessário!”.


Nota: Para que o entusiasmo do leitor seja maior, decidi por bem, dividir a entrevista em duas partes, que serão apresentadas em dias consecutivos.
Desta forma o leitor, terá a hipótese de ler cada uma das partes de forma atenta e sem considerar as mesmas algo “maçudas”.



Apresentações feitas e explicações dadas, dou início à entrevista.


Olá José Chieira!
Antes de mais agradeço-lhe ter aceite o nosso convite para esta entrevista.


Bom José, em primeiro lugar temos que começar pelo Football Manager.

O José é visto como o “Pai” do agora Football Manager. Sente orgulho nessa designação? Sente que a comunidade do jogo o vê como uma referência?
Sinceramente isso nunca me passou pela cabeça... felizmente tenho a sorte de poder integrar uma equipa fantástica e fazer algo de que gosto. Se o trabalho é reconhecido por alguns, tanto melhor.

O Football Manager é talvez o jogo mais mediático de sempre. Considera que o êxito do jogo e a forma como este o fez ficar conhecido a si, o ajudou a subir no mundo do futebol? Ou pelo menos a cimentar a sua posição?
Não diria que foi o mediatismo do jogo, que é evidente, mas talvez mais o trabalho que ele me permitiu desenvolver – principalmente o que é conduzido no terreno, mais completo do que a maioria dos clubes (principalmente portugueses) faz, em campos relvados, pelados e sintéticos de norte a sul, de manha, à tarde e á noite, faça chuva, sol ou trovoada!
O trabalho que o jogo implica também permitiu que desenvolvesse um know-how específico em termos de sensibilidade perante todos os factores que giram dentro e fora da indústria do futebol – e o resto tem a ver com aproveitar as oportunidades que temos e mostrar competência nas tarefas.
Eu não fui jogador profissional (apesar de ter jogado em selecções universitárias), aliás tal como José Mourinho ou Arséne Wenger nunca o foram – e por isso conseguir uma maior ou menor afirmação nesta indústria pode ter sido mais complicado do que para outros (para não falar do factor desconfiança que implica), porque ‘subir no mundo do futebol’ não é um processo inocente nem semelhante ao de outras indústrias, e acreditem que o facto de ser mais ou menos mediático não influencia (quase) nada num mundo que vive de resultados imediatos e com uma margem de erro mínima.


Sei que o José para além do projecto Football Manager foi até à bem pouco tempo uma figura activa no Futebol. Pode-nos contar resumidamente a carreira do José Chieira no Futebol?
Iniciei-me como ‘Head Researcher’ das ‘Pessoas que faziam o Championship Manager’ em 1995 (na altura ainda nem sonhavam com a Sports Interactive), que mantenho até ao momento (sou o Head Researcher mais antigo em funções, incluindo o colega inglês) – com variadas funções, incluindo a de pesquisa de todos os dados do futebol português, seja a prospecção de jogadores, até à informação sobre treinadores, clubes, regras, competições etc etc etc.
Em 1998 tive o prazer de ser escolhido pela Reebok para ser o gestor de futebol da marca em Portugal, que acabava de fechar o seu primeiro grande contrato de patrocínio técnico com o Sporting C.P., mas que tive que abandonar para concluir o meu curso (Economia).
Depois tive a oportunidade de colaborar de perto também com o Sporting C.P. – mas desta vez na área da prospecção juvenil, onde pude aprender muito com a melhor e maior escola desta área na altura em Portugal.
Estive depois ligado 2 épocas ao Vitória de Setúbal, já no Gabinete de Prospecção liderado pelo Joaquim Rebelo no âmbito do Departamento de Futebol Profissional – onde posso dizer que desenvolvemos um trabalho muito valioso o qual, ainda hoje, dá frutos.
Fui depois chamado pela Académica de Coimbra para criar e liderar o Gabinete de Prospecção, com um âmbito muito alargado e transversal, onde me mantive durante quase 3 épocas e durante as quais tive a oportunidade de trazer jogadores como Fábio Felício, Zé António, Marcel, Felipe Teixeira e outros (das escolas aos seniores) que estou certo que darão ainda mais frutos (desportivos e financeiros) ao clube.
Da Académica saí para exercer, nesta altura, funções de director executivo em duas empresas de futebol – uma delas de um Agente FIFA de jogadores, e outra também com licenças oficiais UEFA e FIFA de organização de jogos, torneios, estágios etc.


A pesquisa exaustiva que faz para melhorar a base de dados do jogo, ajudam-no de forma indirecta nos cargos que ocupa no Futebol? De que forma?
Claro que sim - porque sou ’obrigado’ a estar sempre muito atento a tudo o que se passa e, até, a desenvolver uma percepção apurada de factores como por exemplo o conhecimento dos mercados e dos seus profissionais (jogadores, treinadores e até presidentes).


Como ex Director de Prospecção, não considera que ao atribuir notas a jogadores num jogo de computador, em que a sua base de dados é utilizada cada vez mais por treinadores e dirigentes, não estaria a expor um pouco do seu trabalho? Ou sempre teve a preocupação de não o fazer?

Os objectivos deste trabalho concreto de prospeção e avaliação que desenvolvo para a Sports Interactive mantêm-se intactos desde o primeiro dia – e como um deles é o de ser (e manter-se) líder mundial em termos de informações de futebol, entendo que não há que ter problemas desse tipo; antes pelo contrário, o trabalho desta fantástica Equipa de Pesquisa do FM em Portugal é ainda mais valorizado com uma sua eventual utilização pelos profissionais de futebol.

Continuando ainda no mundo do Football Manager, o José lidera uma vasta equipa de pesquisa. É como se liderasse “indirectamente” uma vasta equipa de observadores.
A minha pergunta é: O José separa a equipa de pesquisa do Football Manager de determinadas funções no mundo real do Futebol, ou tem casos, em que convidou elementos da equipa de pesquisa para trabalharem para si no Futebol?
Nunca convidei ninguém para tal – mas é evidente que as informações e as relações que se geram a partir do FM são úteis para qualquer trabalho em futebol!

De forma objectiva, ser o HeadResearcher Português enriquece o seu trabalho no Futebol? Tira partido disso?
Enriquece e muito – o tirar partido tem a ver com a sorte de se poder fazer aquilo que se gosta e, ainda por cima, ir recolhendo experiências e vivências que nos são úteis no nosso trajecto profissional e, também, pessoal.

José, sugiro agora que falemos um pouquinho do Futebol de Formação, algo que me parece vital no futuro do Futebol Nacional.


Qual a sua opinião sobre o Futebol de formação Português, em termos de aposta no mesmo e seu aproveitamento no Futebol de alto rendimento?
Eu creio que devemos fazer uma separação clara entre a fase pré-Carlos Queiroz e a fase pós-Carlos Queiroz – o prof. Carlos Queiroz fez um trabalho fantástico de organização, responsabilização e rentabilização do futebol jovem em Portugal, no âmbito do seu trabalho na F.P.F.
É evidente que as gerações jovens nacionais desde finais da década de 80, fruto deste trabalho, transformaram a mentalidade do futebol português – que percebeu que o talento inato dos seus jogadores, quando devidamente potencializado, pode ser muitíssimo rentável (principalmente em termos financeiros).
O factor financeiro também foi preponderante, pois o estrangulamento crescente das finanças dos clubes obrigou-os a virarem-se mais ‘para dentro’.
Como factores contra, temos a própria lógica de funcionamento do mercado, com jogadores de alguns campeonatos a serem bastante mais baratos (apesar de eu não gostar de confundir custo directo com custo efectivo /relação custo-rendimento) – e a Lei Bosman, que abriu ainda mais os mercados e também condiciona o espaço de afirmação dos jovens nacionais.
Em resumo, cada clube segue hoje uma lógica muito própria, que também tem a ver com as suas próprias condições estruturais (físicas e humana) mas que está relacionada acima de tudo com a sua política directiva – mas, do muito que vou conhecendo, não tenho dúvidas de que os clubes nacionais têm dificuldade em olhar para a formação com a ‘tranquilidade’/seriedade que esta merece, pois as limitações financeiras acabam por, quase sempre, levar o dirigente a ter tendência para investir (gastar) no futebol sénior, para o qual olha como factor mobilizador de toda a dinâmica do clube.
E este desinvestimento acaba por se reflectir na insuficência generalizada de condições físicas/logísticas e na capacidade de atracção de recursos humanos qualificados - e é este ciclo que está a levar ao desaproveitamento/desinvestimento na formação em Portugal.


O José considera que o futebol de formação nacional e as características específicas do “jogador Português” são superiores á maioria dos nossos vizinhos Europeus, ou muito pelo contrário, somos ainda amadores em termos de formação e trabalha-se mal?
Penso que não devemos confundir talento com formação: existe um talento inato em Portugal muito acima da média em relação a outros países que (também por isso) investem mais e melhor na formação – e a verdade é que, neste momento e de uma forma geral (existem em todos os países determinadas gerações de excepção), as selecções jovens portuguesas têm cada vez mais dificuldades para se imporem em competições internacionais. E observem também o tipo de jogador jovem português que é, hoje em dia, ‘exportado’ para ligas mais poderosas: é normalmente reconhecido mais pelo seu talento do que pela sua eficácia e competência em termos de jogador ‘feito’.
E se dissermos, por exemplo, que todos os clubes que disputam as ligas profissionais em França são obrigados a ter centros de formação para atletas até aos 20 anos, com requisitos elevados em termos de condições físicas e humanas, há já largos anos – e que em Portugal, nesta altura, existem não mais que uma mão cheia deles...
Por isso penso que não se deve falar em trabalhar mal ... mas sim numa incapacidade colectiva nacional para perceber o que é importante nesta indústria para a sua rentabilização, para não dizer sobrevivência – porque a formação é, tal como o nome indica, o acto de formar, educar, ensinar...


O jogo Football Manager é sem dúvida uma referência em relação a jovens craques. Várias pessoas me confessaram, que ficaram a conhecer uma jovem estrela por intermédio do jogo.
Temos no nosso Futebol, uma jovem estrela pronta a “explodir” para o Mundo do Futebol e até de forma indirecta no Football Manager?
Eu preferia deixar essas ‘descobertas’ para o vosso ‘trabalho’ de Treinadores FM!!


Para terminar este tema, podia-nos citar 3 ou 4 nomes, que para si serão, actualmente, as 3 ou 4 maiores promessas do futebol juvenil Nacional?
Promessas são sempre apenas ‘promessas’ ... mas penso que, com menos de 17 anos, jogadores como Adrien Silva (Sporting, sub-17), Bruno Simões (Sporting, sub-16) e Fábio Ferreira (Chelsea, sub-17) são realmente especiais.


Bom, a 1ª parte desta excelente entrevista fica por aqui.
Abordamos o trajecto do nosso entrevistado, o jogo Football Manager e o futebol de formação em Portugal.

Amanha, na 2ª parte da entrevista, abordaremos o Futebol Profissional entre outros temas. Esperem para ver….

Cumprimentos
Nelson Oliveira

1 comentário:

Anónimo disse...

ca está a tão prometida entrevista.
gostei da primeira parte e a segunda não deve ser inferior.
realmente é um prazer ler, ouvir,entrevistar... pessoas que são verdaderios experts nas areas que mais gostamos.
e este é um exemplo disso.
bom então venha a segunda parte (so vou poder ler la para segunda)
boa pascoa nelson e amantes do futebol.